terça-feira, 20 de março de 2012

MEMÓRIA

Bebia ponche de olho em seu vestido rodado
Meias três quartos, brincos brilhantes
E um sorriso safado, mau comportado
Distantes
Do que eu podia
Perto do que eu queria
Mas você, já naquele tempo, sabia
Meus anos jamais seriam dourados.  

Passava o dia em ti pensando
E o pensamento voava até sua janela
Em brisa, pano e pedra
Ignorou os meus recados
Olhos no vidro trincado
Seu pai me pegou pelo braço
Você debochando de meu amor.

Te vi de novo nos meus anos de rebeldia
Polícia chegando, o pau quebrando
E você nem sabia
Seu pai, coronel
Prendeu-me por desacato
Vagabundo, malandro e viciado
Condenado sem nunca ter fumado, cheirado, picado...

Nos anos 80 eu era vanguarda
Conheci a cinelândia nos ombros do povo, ao lado do Brizola
Da Fafá, do Tancredo
De sua casa, diante de seu marido, seus filhos
O amor em segredo
Da saudade que doía em seu peito nasceu a lágrima
Que  todos pensaram ser de liberdade

Na outra década, decadência
Filho marginal, filha vagabunda, mulher traíra!  
Uma geração sem rumo, perdida
Sentia-me melhor quando era bosta
Mas o mundo de hoje é tão virtude, é tão virtual
Bool sheat!,  talvez eu pense, realmente pense
Nunca fui normal

E com essa anormalidade claudicante
Fui vivendo, amores itinerantes!
Alguns até interessantes
Eu, minha arrogância e meu viagra
Você fez bem naquela noite, meu bem
Eu te chamei para dançar e você não quis

Fomos sempre tão distantes,  
Fomos sempre, desiguais.
Esse vil desejo delirante
Espécie dilacerante
Cobre que derrete
Te serve, te prende, te cola
Te molda

Hoje, sua imagem não é tão bela
Está exposta em praça pública
Arranhada, pichada, dilacerada
Imagem bruta e fria
Onde não bate mais um coração
Pessoas olham e não te enxergam
Nenhuma delas tem os meu olhos
E eu, ainda te amo.

 
 
Henrique Biscardi

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