terça-feira, 26 de novembro de 2013

ELE, A ESTANTE E A VIDA




A estante vazia não lhe dizia nada
Não lhe trazia resquícios, lembranças ou traços
Era só um vazio
Ficou louco lendo livros
Ficou bravo só de olhar
Palavras sem respostas
Palavras mortas
Todas tortas!
Todas hordas!

Era ele também um indisciplinado
Vadio, miserável
Perto dele, a estante era uma biblioteca
Como podia ele ter?
Como podia ele ler?
Como podia ele, entender?

Ainda não sei como lhe causa estranheza
Para mim, ou melhor, para ele, parecia,
A estante, esteve sempre vazia!
Vazia como a sua vida
Vadia como a sua vida
E Valia, como a sua vida

Hoje, não vale mais nada
Oh! vício maldito
Minha cachaça, minha birita

Hoje, não vale mais nada
Ele, a estante, a vida

Henrique Biscardi

quinta-feira, 25 de julho de 2013

CENAS DA CIDADE I

Desceu do táxi como se fosse praxe
Olhou no espelho,
Checou a maquiagem

Subiu a rua balançando a saia

O moço velho consertando a laje

Velho menino empinando a pipa

Subiu a calçada como se fosse fácil
Bateu a porta esperando ágil
Entrou correndo despertando inquérito

Saiu da casa ajeitando a saia
Pulou a poça como se fosse moça
Bendito salto que não salta a cola

Desceu a rua balançando a saia

O moço velho consertando a laje

Velho menino empinando a pipa

Subiu no táxi como se fosse praxe
Olho no espelho
Checou a maquiagem

Ninguém notou o rímel da maldade
A dor da moça que não tem idade
A cor do homem, altura, nem a sua face

Parou no tempo a rua da saudade

Dinheiro mingua feito caridade

Na extrema idade da luz vermelha que não se apaga

As lágrimas caídas feito castidade
Letras corridas da modernidade
O lado oculto de nossa cidade

(Henrique Biscardi)

terça-feira, 18 de junho de 2013

PARADO NO TRANSITO



Hoje vai ser mais um dia daqueles 
Em que, a cada minuto, se testa a paciência 
Muito porque no mundo, está faltando consciência
E muita educação
E aí, nesse transito hermeneuticamente  parado,
Olhos esbugalhados saltam a sua voz
A sua ira
Exacerbada em forma de buzina 

A verdade é que o cara já sai de casa assim,
Mal acompanhado
É um mal humor desembestado
Uma cara fechada, uma marra
Que não leva a nada
Não tem explicação

Sinto saudades é da adolescência
E de minha bicicleta
Do tempo em que se era capaz de andar pelas largas calçadas
Sem incomodar
Andar pelas estreitas ruas, sem suicidar
Andar com as narinas abertas, sorvendo o ar

Tempo em que se chegava atrasado na aula
Só para dos jardins roubar
Uma flor

Tempo em que as minas curtiam mais um cara de camelo
Do que esse seu Duster vermelho

Tempo em que se chegava atrasado na aula
Porque se ficava parado na rua contando os carros
Que, naquela época,  demoravam a passar

Tempo em que amar não era brega
Minhas calças tinham prega
E meu Kichute fazia mais sucesso que o All Star dos mauricinhos
E faziam mesmo! 

Mas, era tudo de boa
Digo “de boa”
Só para acabar com o nostalgia
E prosseguir com a poesia
Num linguajar mais atual

Henrique Biscardi
Afinal,
O sinal já abriu e você já atochou a sua mão nessa buzina infernal





Por: Henrique Biscardi

sábado, 15 de junho de 2013

MEU PÉ DE ARRUDA



 Talvez fossem as águas do rio
Descendo sem pressa a me banhar
Ou, quem sabe, o embalo do sismo
Asfalto ou areia quente
Lugares que insisto em caminhar

Talvez fosse o bailado dos pássaros
Ou a copa das árvores
Os fios tensos da rede elétrica
As cortina das janelas
Ou as pipas pelo ar

Talvez fosse a imprecisão
Procissão, possessão, pulsação
Talvez fosse...
Talvez

Porém, acho, acredito, desconfio
Que esse disparo desajustado,
Esse tique-taque desarticulado,
Esse bum-bum paticumbum prugurundum
Que samba forte no meu peito
Tenha nome
Seja vento

Seja forte
Raiz forte
Meu pé de Arruda

terça-feira, 30 de abril de 2013

SUBLIMAÇÃO



A água da chuva se estilhaça
Vira fumaça no asfalto em brasa
E sobe aos céus
Alada
Leve e desprendida
Suas impurezas foram retidas
Nas retinas dos algozes que testemunharam o seu fim
Eu sou um deles
Sou!
Confesso!
Sempre gostei de ver a água se esborrachar no chão
Sempre gozei de sua medíocre extinção
Meu sadismo levou-me a esse delírio...
Pobre da chuva,
Ninguém, além de mim e daqueles que morrem de fome, a desejam
E aqueles que morrem de fome a desejam de verdade
Eu?
Quero apenas ver a gota e sua melancólica derrogação
É sadismo mesmo
A-do-ro vê-la se esborrachar de vez no chão!
E meu desejo é para que ela se estilhace mesmo
Gosto de vê-la arrebentar-se
Sinto prazer nessa colisão
Um esborrachamento quase hediondo!
Um destroçamento molecular
Hidrogênio para um lado, Oxigênio para outro
Aquilo me excita, de verdade
Penso nisso em todos os dias que o tempo fecha,
Os céus ficam cinza,
E as gotas se precipitam
Sinto angustia apenas na arquitetura atual
Os prédios de hoje estão cada vez maiores, mais altos
Quase não vejo mais a colisão da chuva com o solo
Tudo parece tão mais distante de meus gostos,
De meus desejos
Um dia desses uma gota passou por mim e sorriu
Debochou da minha condição
E quando subiu, alada, gritou 
Esborracha-se enquanto é tempo
Logo não sentirás mais prazer nem na água da chuva
Nem na brasa do asfalto
Nem subirás ao céu,
Alado 

Por: Henrique Biscardi

quinta-feira, 18 de abril de 2013

PREGUIÇA DANADA




Por pura preguiça
É capaz de ter
Alguém que me responda
Sem ter que escrever
Porque se eu tiver que ler
Por pura preguiça
Sei não      
É capaz de se perder!
Idéia importante
Coisa, que eu devia saber.

Por que hoje, eu acordei com preguiça
Mas uma preguiça da peste!
Daquelas que nem banho toma
Nem roupa veste
Preguiça que dá gosto de ver
Dessas sentida no corpo,
Estampada no rosto.
Preguiça tanta que já até disseram: é encosto!

Falaram também em Karma, trauma, ressaca, desgosto
Não é nada disso não. É só preguiça mesmo.
Eu até pensei em elaborar uma resposta pra esse povo
Mas para elaborar tem que pensar
Tem que pensar, e pensar, e pensar
E pensar, de novo?
E aí, não dá!
Porque é tanta preguiça
Mas tanta preguiça, gente
Que fica difícil até para inventar

Então, na boa
Fica combinado assim: É só preguiça e pronto!
Preguiça tamanha que ando até meio assim,
Moribundo,
Arredio, cabisbaixo, sem rumo
Nem cigarro mais, eu fumo!
Só de pensar naquela coisa de
Acender, tragar, apagar
Dá uma preguiça que eu vou te contar

Então, na boa
Se tens alguma explicação a me dar
Dê logo e não enche o saco
E seja suscinto, por favor 
E não escreva!
Transmita-me por pensamento, sinal de fumaça
Através de um toque, de um olhar
Sei lá.
Não vai me dizer que está com preguiça?!
Por que eu, estou!!!
Muuuuuuuuuita preguiça!
E é aquela preguiça que invade a alma, entende?

Então, na boa
Não estou aborrecido, magoado, chateado
Juro!
Se já queres ir, tudo bem
Vá!
Mas não me escreva!
Eu não vou ler
E se eu não conseguir ler         
É capaz de se perder!
Algo assim muito importante
Algo que ainda queiras me dizer

Abri os olhos só para vê-la partir  
Não levantei da cama
Apenas, abri os olhos
Mas ela, não partiu 
Preguiça danada!!!

Henrique Biscardi