terça-feira, 30 de abril de 2013

SUBLIMAÇÃO



A água da chuva se estilhaça
Vira fumaça no asfalto em brasa
E sobe aos céus
Alada
Leve e desprendida
Suas impurezas foram retidas
Nas retinas dos algozes que testemunharam o seu fim
Eu sou um deles
Sou!
Confesso!
Sempre gostei de ver a água se esborrachar no chão
Sempre gozei de sua medíocre extinção
Meu sadismo levou-me a esse delírio...
Pobre da chuva,
Ninguém, além de mim e daqueles que morrem de fome, a desejam
E aqueles que morrem de fome a desejam de verdade
Eu?
Quero apenas ver a gota e sua melancólica derrogação
É sadismo mesmo
A-do-ro vê-la se esborrachar de vez no chão!
E meu desejo é para que ela se estilhace mesmo
Gosto de vê-la arrebentar-se
Sinto prazer nessa colisão
Um esborrachamento quase hediondo!
Um destroçamento molecular
Hidrogênio para um lado, Oxigênio para outro
Aquilo me excita, de verdade
Penso nisso em todos os dias que o tempo fecha,
Os céus ficam cinza,
E as gotas se precipitam
Sinto angustia apenas na arquitetura atual
Os prédios de hoje estão cada vez maiores, mais altos
Quase não vejo mais a colisão da chuva com o solo
Tudo parece tão mais distante de meus gostos,
De meus desejos
Um dia desses uma gota passou por mim e sorriu
Debochou da minha condição
E quando subiu, alada, gritou 
Esborracha-se enquanto é tempo
Logo não sentirás mais prazer nem na água da chuva
Nem na brasa do asfalto
Nem subirás ao céu,
Alado 

Por: Henrique Biscardi

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